Imagem: Andre Coelho/Getty Images

A cloroquina econômica em busca de um milagre

Alexandre Borges
4 min readAug 29, 2020

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Uma curiosa coletiva de imprensa realizada na última quarta (22/04), comandada por militares e sem a presença da equipe econômica, revelou um pequeno conjunto de intenções genéricas que pretende ser a cloroquina de um país infeccionado, asfixiado e ainda sem perspectiva de alta. O pouco que se mostrou já foi suficiente para entender a ausência de Paulo Guedes no lançamento do maior programa econômico do governo Bolsonaro até agora.

Chamado de Pró-Brasil, o programa deverá ser um parente próximo de outras iniciativas desenvolvimentistas anteriores como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado por Lula em 2007 e que colocou Dilma Rousseff, titular da Casa Civil, no centro do palco político e alavancou de vez sua candidatura presidencial para 2010. O comandante-em-chefe do Pró-Brasil é também o atual Ministro-Chefe da Casa Civil, o General Walter Souza Braga Netto, igualmente visto como uma espécie de primeiro-ministro informal do governo desde que assumiu a pasta em fevereiro.

A visão do estado como motor da economia não é nova, especialmente para militares brasileiros, o que inclui o presidente e seu entorno, que guardam uma memória afetiva do “milagre econômico” do período de 1968–1973 quando o PIB do país cresceu vigorosamente e todo um aparato de propaganda política foi anabolizado pelo governo, ao som de hits ufanistas como “Eu te amo, Meu Brasil”, “Esse é um país que vai para frente” e o tema da seleção campeã de 1970, a icônica “Pra Frente Brasil”. Artistas como Wilson Simonal e Roberto Carlos ajudavam a elevar a moral do país e, em parte, eclipsar as músicas de protesto contra a ditadura no momento mais duro da repressão política.

Alguns analistas buscam comparar as bases do Pró-Brasil com o Plano Marshall, como ficou conhecida a série de auxílios bilionários fornecida pelo governo americano após a Segunda Guerra aos aliados europeus para fomentar a reconstrução destes países depois da devastação causada pelo conflito. Outros tentam comparar com o infame New Deal, o conjunto de medidas autoritárias, inspiradas no fascismo italiano e implementadas com mão de ferro do Franklin Roosevelt nos anos 30 nos EUA e de triste memória. As comparações são estapafúrdias e indesejáveis, assim como a lembrança do PAC lulista, um dos muitos ralos por onde os maiores escândalos de corrupção da história do país puderam passar.

O Pró-Brasil, ao que tudo indica e a despeito das poucas informações relevadas na coletiva, é uma reedição do desenvolvimentismo estatista do governo Médici, capitaneado na época pelo czar da economia Antonio Delfim Netto, atualmente com 91 anos mas ainda um participante ativo do debate nacional e que é hoje um economista muito mais afinado com as diretrizes da política econômica do governo do que Paulo Guedes, um liberal da Escola de Chicago que após a coletiva mais parece um ex-ministro em atividade.

O presidente Bolsonaro muitas vezes se mostrou pouco à vontade na defesa da cartilha liberal clássica, uma ideologia que em nada lembra seu histórico de votações e posições econômicas como deputado federal em quase três décadas. Parecer liberal na campanha e no início do governo não é novidade no Brasil, já que até Lula aceitou publicar uma “Carta ao Povo Brasileiro” em 2002 e nomeou uma equipe econômica totalmente afinada com o governo anterior para pacificar o mercado e criar um clima de euforia inicial.

Ao ser reeleito em 2006, Lula nomeou Guido Mantega no lugar de Antonio Palocci e dali em diante pode mostrar a que veio. Com a entrada de Dilma Rousseff em 2011, veio a desastrosa “Nova Matriz Econômica”, uma bomba atômica na economia brasileira que relegou o país anos de recessão e pavimentou o caminho para o impeachment e a eleição de um antípoda em 2018.

É cedo para dizer como será este novo momento do comando do país com o general como superministro e uma junta militar no Planalto tocando uma política econômica nacional-desenvolvimentista, como sempre foi o sonho da chamada “ala ideológica” que demonizava o liberalismo de Guedes nos corredores e suspirava por Steve Bannon, o ex-estrategista de Donald Trump que sempre defendeu investimentos estatais maciços em infraestrutura e programas sociais e nutre um desprezo profundo pelo liberalismo clássico da escola de Chicago.

É inegável que o General Braga Netto imprimiu um novo ritmo ao governo e é hoje sua face mais reconhecível, num momento em que diversos militares assumem postos-chave do primeiro escalão e dão um tom da administração federal totalmente diferente do que se viu em 2019, com Moro e Guedes desidratados e a famigerada “ala ideológica” aparentemente legada a comandar turbas virtuais em redes sociais. Os que foram às ruas nos últimos dias pedindo intervenção militar parecem mal informados.

Artigo Publicado Originalmente em 23/04/2020

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