A desigualdade e o dinheiro dos outros

Alexandre Borges
4 min readAug 29, 2020

Numa entrevista para a Folha de S. Paulo em 2016, o homem mais rico do Brasil, Jorge Paulo Lemann, afirmou que o problema do país é a “desigualdade”. Sua fortuna pessoal é estimada, segundo a Forbes, em um número com tantos dígitos que facilmente perdemos o senso de proporção. O tema é sempre requentado a cada divulgação dos relatórios da Oxfam, a famosa ONG que pauta como nenhuma outra a imprensa mundial todo ano mirando no livre mercado como um mal pior que o coronavírus.

Li “Sonho Grande”, o livro de Cristiane Correa sobre Lemann e seus sócios que, de maneira surpreendente e admirável, conquistaram o mundo. É uma história fascinante que lembra que acumulou seu patrimônio por conta de uma inteligência acima da média, trabalho duro e uma capacidade empreendedora sem limites. Para alguém que se preocupa com a desigualdade, poucos brasileiros são menos comuns ou iguais do que ele.

Se Lemann pode ser considerado um ícone da desigualdade, não há qualquer problema nisso, ele certamente fez por merecer seu sucesso e, ao combater a lógica do sistema que possibilitou sua ascensão e o seu acúmulo estonteante de patrimônio, não sem a companhia de outros bilionários do planeta, pode estar perdendo de vista que o verdadeiro problema é a falta de mobilidade social promovida pelo sistema que muitos dos mais ricos do mundo agora olham com desconfiança.

É claro que Lemann teve um início de vida diferenciado da média dos brasileiros, com suas partidas de tênis no Country Club de Ipanema e sua formação em Harvard. Mas esta é a história de todos os bilionários da lista da Forbes? Uma olhada na lista mostrará que não.

Um ocupante regular do primeiro lugar da lista, Bill Gates, é um empreendedor que largou Harvard para mergulhar no próprio negócio ainda adolescente. Gates foi criado num lar de classe média e é claro que seus bilhões vêm de uma rara combinação de gênio e da sua obstinação pelo trabalho, assim como Steve Jobs, além de estar no lugar certo e no momento certo da ascensão dos computadores nos EUA da era Reagan.

Outro ocupante regular das primeiras posições da lista da Forbes é o espanhol Amancio Ortega, dono da Zara, um filho de ferroviário e começou a vida profissional aos 14 anos quando largou a escola e foi trabalhar como costureiro numa pequena loja. Ortega é ainda mais rico que Lemann. Os exemplos continuam com Warren Buffett, Carlos Slim, Jeff Bezos, Mark Zuckerberg, Larry Ellison, Michael Bloomberg e os irmãos Koch. Algum sultão, rei ou herdeiro de um conglomerado entre eles? Nenhum. E aí está um dos mais poderosos argumentos do livre mercado.

A lista dos mais ricos da Forbes começou em 1987 e eu recomendo que você dê uma olhada nela antes de formar uma opinião definitiva sobre o assunto. Você verá que os ricos de trinta anos atrás, bem como seus herdeiros, praticamente não são encontrados na lista atual. A riqueza, no livre mercado, é móvel. Há ricos em pobres em todos os países, o que é raro é a mobilidade social.

Colocar a burocracia estatal para escolher quem pode ou não pode ter recursos e oportunidades já foi tentado e nunca deu certo ou dará. Simplesmente não funciona e a arbitrariedade, quando substituta do mérito e da liberdade, acaba por empobrecer quem finge querer ajudar. A história, a boa ciência econômica e a realidade não deixam dúvidas.

O que faz o crescimento econômico e o desenvolvimento é a livre alocação de recursos por seus proprietários, que apostam seu próprio patrimônio no mercado na tentativa de multiplicar o investimento. Seu sucesso depende da aceitação do consumidor que livremente premiará seu talento, trabalho duro e criatividade com dinheiro, numa troca em que ambos saem ganhando. Quando governos saem da economia, o espírito empreendedor da população floresce e os caminhos para a mobilidade social se abrem.

Nos países em que uma aristocracia formada de uma elite culpada, intelectuais, ativistas e tecnocratas que resolvem decidir em nome do povo onde os recursos do país devem ser alocados, o resultado é miséria, corrupção e, claro, mais “desigualdade” entre a elite e a população. A mesma desigualdade que os bilionários progressistas de hoje dizem querer combater.

Os líderes da sociedade devem ser reconhecidos e aplaudidos pelo que conquistaram e pelo que sabem fazer, não necessariamente por suas idéias políticas, sua cultura e seu código moral e ético, não raro totalmente distintos do resto da população. Especialmente quando sua principal proposta é filantropia com o dinheiro alheio, usando a burocracia estatal como meio.

A solidariedade humana reside na moral e não na economia. O homem mais rico da lista da Forbes é também fundador da Bill & Melinda Gates Foundation, a maior e mais importante ONG do mundo, e seu maior doador é, além do próprio Bill Gates, Warren Buffet. Quantos políticos podem exibir um currículo como esse?

Não é necessário questionar os motivos que fazem muitos bilionários progressistas não dividirem hoje mesmo seus patrimônios para “combater a desigualdade” e é direito deles decidirem o que querem fazer com o fruto do seu esforço, talento e sucesso. O que não fica bem é acharem que o problema do mundo se resolve dividindo o dinheiro dos outros.

Artigo Publicado Originalmente em 22/05/2020

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