Hanuman assombra Brasília neste domingo.

É preciso dar uma basta na negligência criminosa que permite as arruaças antidemocráticas na frente de quartéis e da Esplanada.

Alexandre Borges
4 min readJan 8, 2023

Viajar pela Índia, mesmo nos dias de hoje, pode ser uma experiência curiosa para um Ocidental. Alguns costumes não são apenas exóticos, beiram o incompreensível, como a permissividade com que alguns animais são tratados, em especial os macacos. A motivação é religiosa, mas a consequência não é apenas metafísica.

Hanuman, o deus-macaco do Hinduísmo

Na mitologia hinduísta, Hanuman é um deus com corpo de homem e cabeça de macaco que salvou a princesa Sita das garras do rei-demônio Rávana. Ele é visto como um herói com superpoderes e uma das encarnações do deus Shiva. Templos em sua homenagem podem ser vistos em todo país. Hanuman é também o “deus das causas impossíveis”, como o nosso Santo Expedito.

Por conta da crendice popular, os macacos são tratados com extrema indulgência na Índia, por mais incômodos que possam ser no dia-a-dia, invadindo casas e mercados em busca de comida e deixando um rastro de sujeira e bagunça por onde passam. Quando um deles morre, há luto na aldeia onde o corpo foi encontrado e vários rituais para expiar a má sorte são realizados, o que inclui raspar a cabeça e a barba.

A religiosidade hinduísta é das mais ricas da humanidade, mas alguns de seus costumes podem criar problemas incompatíveis com a vida moderna. E assim como os sacrifícios animais e ritos canibais foram abandonados em boa parte do Ocidente, sem prejuízo da religião, algumas adaptações, cedo ou tarde, são imperativas para que indianos possam ter uma convivência mais ordeira com nossos parentes distantes. Durante a pandemia, várias cidades da Índia que decretaram lockdowns foram completamente invadidas por macacos nas ruas.

Macacos invadem ruas na Índia durante lockdowns

Enquanto os macacos indianos são vistos como herdeiros de heróis mitológicos, no Brasil sofremos com outros tipo de animais. Radicalizados por políticos irresponsáveis, influenciadores imorais e veículos oportunistas, muitos manifestantes insistem em causar o caos em diversas cidades, especialmente na frente de quartéis, pedindo ditadura e a reversão do resultado democrático da última eleição presidencial. Para eles, a democracia só vale quando seu político de estimação é eleito.

O ministro Flávio Dino autorizou o uso da Força Nacional, que até recentemente era comandada por Antonio Aginaldo Oliveira, marido da Carla Zambelli, para garantir a segurança da capital federal. Quatrocentos homens estão mobilizados até amanhã (09). Nossos primatas não dão sinais de que vão retroceder, mas é possível que entendam a linguagem mais explícita dos cassetetes.

O que vai acontecer neste domingo interessa menos do que a reflexão urgente e necessária que o Brasil precisa fazer após tanta lassidão com a boçalidade e o terrorismo de uma franja insana da classe média do país que enxerga o mundo pelos filtros moralmente invertidos de vídeos editados por uma máquina de propaganda perniciosa que atua nas redes sociais e no zap. Os financiadores e operadores da indústria da desinformação estão dando hora extra fora da cadeia.

Atentar contra o estado de direito é crime previsto em lei. Ponto. Em setembro, foi publicada a Lei 14.197/21 que substituiu a Lei de Segurança Nacional, e está em plena vigência. Algumas penas são ainda mais duras na nova lei do que na famigerada LSN, chegando até 15 anos de reclusão. Liberdade de expressão, como fazer críticas ao sistema, não se confunde de maneira alguma com a apologia à derrubada do regime democrático e o pedido de “intervenção federal”, eufemismo covarde e cínico das viúvas da ditadura.

É crime “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”, assim como “impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado, mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação estabelecido pela Justiça Eleitoral” (lei 14.197/21)

Assim como a mitologia hinduísta explica a condescendência com os símios de lá, aqui temos uma visão pervertida da liberdade de expressão, ao menos para a classe média, que serve como pretexto para que o clamor por um regime totalitário, que prenda e torture adversários, seja normalizado. Até uma república de bananas tem que saber cuidar dos seus primatas.

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