Lições do Norte
As trapalhadas republicanas para eleger o próximo presidente da Câmara dos Deputados americana são ricas em recados para o Brasil
“Alguns homens não procuram nada lógico como o dinheiro. Eles não podem ser comprados, forçados, convencidos ou negociados. Alguns homens apenas querem ver o mundo pegar fogo.”
Alfred Pennyworth (“The Dark Knight”, 2008)
Depois de quatro anos, o Partido Republicano recuperou a maioria na Câmara dos Deputados, um movimento previsível na democracia pendular americana. A novidade é a incapacidade republicana de eleger o presidente da casa, obtendo os 218 votos necessários. Até a oposição democrata começa a ficar preocupada com o furdunço. O presidente Joe Biden classificou a situação como “vergonhosa”.
A “câmara baixa” americana tem 435 cadeiras no total, com 222 republicanos eleitos em novembro, 212 democratas e uma cadeira vaga. A eleição do presidente da casa, cargo ocupado há milênios por Nancy Pelosi, deveria ser tranquila, mas não nestes tempos estranhos.
Vinte deputados republicanos “radicais” ou “puristas” se recusam a apoiar o empresário californiano Kevin McCarthy, candidato oficial do partido, criando um impasse embaraçoso e sem uma saída visível até o momento. Nada parecido havia acontecido desde 1923.
Os radicais republicanos perderam até o apoio de Donald Trump, que tem implorado a eles pelas redes sociais que apoiem McCarthy, mas o grupo se mostra irredutível. Uma vez que a caixa de Pandora foi aberta, nem Trump consegue fechar. Os rebeldes lançaram Byron Donalds da Flórida apenas para tumultuar e estão conseguindo.
Não pense que McCarthy é um Mitt Romney, um republicano “apenas no nome”, mas um trumpista empedernido que abraçou até a teoria furada de que a eleição de Joe Biden foi fraudada e Trump teria na verdade vencido. Mesmo assim, não é suficiente para agradar os mais radicais. McCarthy não está derrotado definitivamente, mas caso vença terá sua liderança enfraquecida pelo fogo amigo dos radicais.
O que os vinte deputados rebeldes querem exatamente? McCarthy tem feito acenos reiterados a eles, mas nada parece amolecer o coração de pedra dos extremistas. Muitos deputados republicanos estão perdendo a paciência e vociferando em público: “digam o que vocês querem ou parem de encher”. O nó górdio é que talvez eles próprios não saibam bem o que pretendem.
No Brasil, Valdemar Costa Neto, presidente do PL, tem sua própria cota de extremistas para lidar. Dos 99 deputados eleitos pelo partido de Jair Bolsonaro em 30 de outubro, metade deles pode ser considerada independente e não necessariamente obedeçerá todos os comandos da liderança partidária. O ex-mensaleiro já entendeu a bomba-relógio que tem nas mãos.
Como liderar deputados como Carla Zambelli, Eduardo Bolsonaro, Bia Kicis, Carlos Jordy, Filipe Barros, Nicholas Ferreira, Carol de Toni, Éder Mauro, Mario Frias, Eduardo Pazuello, entre outros? Valdemar não está enfrentando apenas deputados ideológicos, mas gente que tem uma agenda própria, muito ditada pelas franjas extremistas das redes sociais, e sem um direcionamento ainda claro.
No livro Guinness de recordes, o frango americano “Mike” viveu dezoito meses depois de ter sua cabeça cortada, virando uma atração bizarra mostrada por seu dono em excursões macabras pelo país. Mike morreu em 1947, mas sua lembrança sempre assombrará quem pensa que é preciso ter cabeça para viver.
Os novos radicais da política querem espaço na mídia e no poder, querem engajamento digital, mas nada disso compõe um conjunto identificável e previsível de comportamento futuro. Eles seguem o fluxo irascível e erráticos das redes sociais, escravos dos humores de gente descontente, raivosa e cada vez menos saciável. Qual é o plano? Até agora, nem eles sabem.
- Atualização (07/01/2023) — Depois de 15 votações, Kevin McCarthy é eleito presidente da Câmara dos Deputados pelos próximos 2 anos. Foi o maior impasse em 163 anos.
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