"O Pau Que Bate em Chico"

Alexandre Borges
4 min readApr 9, 2020

“Não sou marxista”, “a ideologia marxista é errada” e “as ideologias terminam mal, não servem. Não assumem o povo, por isso pensem no século passado, em que as ideologias terminaram em ditaduras” poderiam ter sido ditas por qualquer conservador ou liberal. Não olhe agora, mas são do Papa Francisco, o “papa comunista”.

Não é de hoje que a esquerda tenta se apropriar de frases descontextualizadas ou ideias de solidariedade com os mais pobres para caracterizar a Igreja Católica como simpática ao socialismo, o que ela, como instituição, nunca foi ou será. Já alguns pastores que estavam alegremente nos palanques de Lula e Dilma em eleições presidenciais recentes hoje posam de defensores do livre mercado e do conservadorismo como se suas pregações e pedidos de votos ao PT pudessem ser apagados da memória virtual das redes sociais, mas a internet não esquece.

Quem fez campanha para Lula e Dilma de peito aberto e bolso cheio, quem colocou o ex-presidiário em púlpitos e altares pedindo votos para o “povo de Deus”, quem articulou caravanas de eleitores em ônibus lotados para eleger o governo mais corrupto da história do país, deveria ter um pouco de recato antes de condenar o sucessor de São Pedro por receber um pecador para uma rápida audiência, mas comedimento e moderação não são exatamente as características mais marcantes de alguns destes mercadores da fé.

É inegável que o Papa Francisco, um argentino de 83 anos criado no caldo cultural do peronismo e tendo passado pelas agruras de um dos períodos ditatoriais mais duros da região por décadas, teve parte de suas convicções políticas forjadas neste contexto, assim como São João Paulo II, que viu sua Polônia ser invadida em 1939 por nazistas e comunistas, quando tinha 19 anos, e depois dominada pelos soviéticos de 1944 a 1989, não poderia ficar imune aos regimes genocidas do século XX. Papas são inspirados pelo Espírito Santo mas também são homens de carne e osso como eu ou você.

Alguns dos ataques mais contundentes ao socialismo durante o séc. XIX, quando o movimento ganhava corações e mentes pelo mundo e Karl Marx produzia suas obras, foram feitos exatamente pelos Papas católicos, numa época em que esta ideologia política nefasta ainda não tinha empilhado centenas de milhões de cadáveres e ainda parecia uma resposta humanitária à Revolução Industrial e à opulência da Inglaterra vitoriana.

Em 1849, apenas um ano após a publicação do “Manifesto Comunista”, o Papa Pio IX já chamava o socialismo e o comunismo de “ensinamentos pervertidos” e “um plano maléfico e pecaminoso para confundir o povo e levar a que derrubem a ordem estabelecida”. O Papa Leão XIII, em 1884, disse que “comunismo, socialismo e niilismo são deformidades da sociedade civil e um passo para sua ruína”. Soa esquerdista para você?

No século XX, quando o comunismo e o socialismo realmente mostraram a que vieram, o tom não poderia ser diferente. O Papa Bento XV, em 1914, disse que “a condenação do socialismo [feita pelo seu predecessor, Leão XIII] nunca poderia ser esquecida”. O Papa Pio XI, em 1931, enfatizou que o socialismo é fundamentalmente contrário aos preceitos católicos e é impossível haver qualquer conciliação.

A condenação dos Papas, um a um, foi a mesma, incluindo até João XXIII, visto por alguns semiletrados como um pontífice de esquerda. O Papa do Concílio Vaticano II disse em 1961 que “nenhum católico deve aceitar sequer uma versão moderada do socialismo”, o que me não me parece também nada simpático a qualquer modalidade da ideologia marxista ou qualquer de suas variantes.

A lista segue, mas nunca estaria completa sem o crédito ao papel histórico de São João Paulo II, o gigante do século XX que fez a histórica celebração em 1979 em Varsóvia que deu início ao processo de desmonte da famigerada União Soviética. Para ninguém menos que Mikhail Gorbachev, “o colapso da Cortina de Ferro seria impossível sem João Paulo II.”

O Papa Francisco já deu declarações críticas ao que entende por “capitalismo desenfreado”, mas nada que faça dele algo próximo da caricatura mostrada num filme boboca exibido na Netflix por gente que entende tanto de catolicismo quanto eu de chinês mandarim. Como o representante máximo da igreja de Cristo, o Papa está em seu papel de lembrar que, como disse Jesus, ninguém pode “servir a Deus e ao dinheiro ao mesmo tempo’(Mt 6,24), um ensinamento que de comunista não tem nada.

Jesus Cristo nunca deixou dúvida de sua verdadeira missão na Terra: “não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes. Eu não vim para chamar justos, mas pecadores” (Mc 2,17). O filho de Deus não virou carne para transformar água em vinho, por mais agradável que possa ter sido para os convidados de um certo casamento em Canaã. Sua função pastoral é clara e todas as ovelhas, mesmos as desgarradas, são convidadas à conversão. No mínimo, a uma sessão de exorcismo.

Artigo publicado originalmente em 27.03.2020

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