Precisamos falar sobre a OMS
O controverso presidente da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, repetiu nesta quarta-feira (08/04) o bordão de que não se deve “politizar o coronavírus”. Para ele, a pandemia deve ser combatida nos países num clima de união nacional e acima das divisões políticas. É uma boa idéia, mas talvez ele não seja a pessoa mais indicada para esse tipo de conselho.
É preciso deixar claro, logo de início, que questionar a atuação da OMS e de seu presidente durante a pandemia atual não significa apoiar o negacionismo em relação a gravidade do problema ou advogar pelo protagonismo de políticos oportunistas, mas entender que mesmo órgãos técnicos, alegadamente guiados pelas melhores práticas da ciência, não são impermeáveis a pressões políticas.
Conhecido como Dr. Tedros, o primeiro africano a dirigir a OMS chegou ao cargo depois de uma longa carreira política como Ministro da Saúde (2005–2012) e das Relações Exteriores (2012–2106) na Etiópia. Sua trajetória no governo etíope começou sob o comando de Meles Zenawi, o ex-guerrilheiro que assumiu o poder em 1991 e comandou o país por mais de vinte anos, até sua morte causada por um tumor no cérebro em 2012. Zenawi foi acusado de violações dos direitos humanos, fraudes eleitorais, além de perseguir, prender e ordenar a morte de opositores.
A gestão de Tedros Adhanom como Ministro da Saúde da Etiópia foi questionada durante a campanha para a presidência da OMS em 2017. A principal acusação foi de que o microbiologista, com doutorado em saúde comunitária pela Universidade de Nottingham, tentou acobertar três surtos de cólera no seu país em 2006, 2009 e 2011. A imprensa noticiou na época que autoridades etíopes pressionaram agentes de organizações internacionais a não mencionarem a palavra “cólera” em seus relatórios ou mencionar o número de doentes.
Apenas quando os surtos de cólera atingiram países vizinhos é que a provável omissão das autoridades da Etiópia ficou mais clara, o que teria causado o atraso no envio de ajuda internacional e agravado significativamente o problema. Sobre as acusações, Tedros Adhanom disse que os casos em seu país eram apenas de “diarreia” em locais remotos e não cólera, o que foi negado por vários especialistas estrangeiros.
A eleição de Tedros Adhanom para o comando da OMS, que venceu o britânico David Nabarro, foi amplamente apoiada pelo governo chinês, segundo maior patrocinador da organização depois dos EUA. A campanha despertou críticas, publicadas na imprensa internacional na época, de que a pressão de Pequim teria sido decisiva e pouco ortodoxa, especialmente na conquista de votos dos representantes de países pobres.
Em 14 de janeiro deste ano, a OMS divulgou no seu perfil oficial do Twitter que não havia evidências, segundo as autoridades chinesas, de que o coronavírus fosse transmitido entre humanos. Duas semanas depois, o órgão publicou que o contágio da doença fora da China era “muito limitado”. No início de fevereiro, a organização comandada por Tedros Adhanom ainda pedia para que os países não restringissem a entrada de chineses, o que evidentemente contribuiu para que o vírus se espalhasse mais rapidamente.
O reconhecimento oficial da pandemia pelo órgão só aconteceu na segunda semana de março, um atraso que foi criticado até pelo ministro da saúde brasileiro Luiz Henrique Mandetta. As posições públicas da OMS continuam até hoje alinhadas com o governo chinês.
Para o escritor e zoólogo britânico Matt Ridley, membro da câmara dos lordes e ex-editor de ciência da The Economist, depois que a crise passar há três questões que a OMS deve responder antes que o mundo volte a ter confiança suficiente na sua atuação. Primeiro, o órgão deve dizer porque não preparou o mundo para uma pandemia depois do SARS (2002–2003) e Ebola (2014), aparentemente preocupando-se com pautas mais ideológicas como combate a mudanças climáticas. Segundo, deve se explicar sobre a demora nas primeiras semanas da atual pandemia. Terceiro, a falha do órgão em divulgar o sucesso de Taiwan no combate ao Covid-19 por supostas pressões chinesas.
Como a OMS sofreu críticas de Donald Trump, é natural e previsível a reação de seus opositores que correram para defender a organização, mas nenhuma instituição pode ou deve ser blindada de críticas. A OMS deve ser ouvida em questões de saúde pública, evidentemente, mas nunca tratada como um oráculo acima do bem e do mal ou suas diretrizes como verdades absolutas.
Artigo Publicado Originalmente em 08/04/2020