Quem tem lugar de fala?
O governo Lula não pode fazer concessões à infame cultura woke ou não terminará bem.
A jornalista Helen Pidd escreveu no The Guardian que “Estradas projetadas por homens estão matando mulheres”. O deputado Eduardo Bolsonaro publicou nas redes sociais um vídeo sugerindo que a preferência pela contratação de mulheres engenheiras pela construtora Acciona contribuiu para o desabamento de um trecho da Marginal Tietê.
Helen Pidd e Eduardo Bolsonaro são duas faces da mesma moeda identitária, uma ideologia radical e artificial que ganhou tanta força nos últimos anos que é hoje hegemônica nos canais mais relevantes do debate público ocidental. Ambos fazem parte do problema, não da solução. Eles se retroalimentam e mantêm a chama do conflito acesa, com óbvios propósitos políticos.
Ninguém em sã consciência defenderia comportamentos ou políticas discriminatórias com quem quer que seja, mas o identitarismo se apropria de lutas meritórias e problemas reais usando novas doxas como a teoria do “racismo estrutural” ou o famigerado “Projeto 1619”, patrocinado pelo The New York Times, que pretende nada menos que reescrever toda a história americana e justificar o protagonismo e o sucesso sem precedentes dos EUA como um produto da exploração da escravidão. Parece marxismo vulgar? E é.
O governo Lula pode não ter aprendido com as lições dos malfadados mandatos de Dilma Rousseff não apenas na economia, mas também na condescendência com a perniciosa e corrosiva “cultura woke”, contrabandeada das elites americanas e europeias para o Brasil sem qualquer filtro, reflexão ou ceticismo.
Há quem diga que não há reunião no novo governo que não use “linguagem neutra”, a mesma que foi proibida em projetos que usam a Lei Rouanet pelo governo anterior. Recém-empossada ministra do Turismo, a deputada federal campeã de votos no Rio de Janeiro conhecida como Daniela do Waguinho (União Brasil) tem projeto de lei que proíbe seu uso em escolas públicas e privadas, o que mostra que mesmo no primeiro escalão do governo Lula o tema está longe do consenso.
O encantamento das elites ocidentais, do mundo corporativo e seus esbirros com o tribalismo identitário é um dos fenômenos políticos e sociais mais importantes dos últimos tempos e está por trás da ascensão da chamada “nova direita”, por mais que os progressistas tentem se eximir de qualquer responsabilidade por sua nêmesis.
Algumas vozes fundamentais para se entender o processo foram banidas do debate, uma tática de intimidação histérica conhecida como “cultura do cancelamento” e que opta por amedrontar e ameaçar opiniões contrárias em vez de discuti-las. A estratégia cria uma oposição ressentida e reacionária que devolve os ataques com a completa negação de qualquer problema social, um diálogo de surdos que apenas reverbera seus próprios bordões e caminha para fraturar o arcabouço social.
Dois pontos importantes sobre o identitarismo woke: como qualquer ideia que se pretende reformadora, que quer mexer com a sociedade de forma “estrutural”, é preciso que se permita o debate livre, racional e ponderado sobre os preceitos, análises e proposições dela derivados. É pedir demais?
Pode-se ler os autores identitários, mas nada justifica o cancelamento, explícito ou dissimulado, de intelectuais do porte de Thomas Sowell (“Discriminação e Disparidades”), Douglas Murray (“A Loucura das Massas”), Christopher Lasch (“A Rebelião das Elites”), Julien Benda (“A Traição dos Intelectuais”), Theodore Dalrymple (“Em Defesa do Preconceito”), Gad Saad (“A Mente Parasita”), José Guilherme Merquior (“O Marxismo Ocidental”), Patrick Deneen (“Por que o liberalismo fracassou?”), Antonio Risério (“Sobre o relativismo pós-moderno e a fantasia fascista da esquerda identitária”) ou Christophe Guilluy ( “O fim da classe média”), entre outros.
A agenda dos direitos humanos, igualdade, respeito às minorias e solidariedade avançou mais no Ocidente do que em qualquer outra civilização. O ataque aos pilares do senso comum utilizando o poder discricionário e o controle elitista dos meios de comunicação só atrai mais intolerância e paranoia.
A crítica intelectual à cultura woke existe, mas não é tudo. As elites progressistas podem, pragmaticamente, entender as consequências eleitorais de tentar enfiar goela abaixo da sociedade uma agenda sociocultural tão exótica, controversa, divisiva e potencialmente incendiária como esta que, no limite, fomenta o aparecimento de uma oposição igualmente radicalizada e violenta.
Se quatro anos de governo Bolsonaro, que recebeu 58.206.354 votos (49,1% do total) para sua reeleição, não serviram para ensinar uma coisa ou outra para seus opositores, nada ensinará. E em 2026, uma direita ainda mais reacionária estará de volta. No final, quem tem lugar de fala é o eleitor.
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