Tudo pode acontecer com a Lava Jato, inclusive nada.
Desde a escolha de Augusto Aras para chefiar a Procuradoria Geral da República na semana passada, lavajatistas e governistas mais radicais estão dormindo em quartos separados. É a primeira fissura visível no casco do núcleo duro de apoio ao governo, mesmo que ainda pequena para afundar o navio.
Pela primeira vez, os fiéis do lavajatismo tiveram dúvidas reais em relação ao compromisso do governo atual com a operação que mudou o país há cinco anos e prendeu Lula. Uma sucessão de fatos aparentemente desconexos que envolvem os principais órgãos de combate à corrupção do país, alvos recentes da caneta presidencial, criaram uma aura de insegurança ainda não dissipada no grupo.
Nos últimos dias, Sérgio Moro foi fustigado por comentários do presidente que sinalizavam seu enfraquecimento, mesmo que entre afagos e sorrisos em eventos públicos como no último 7 de setembro em que caminharam abraçados em Brasília. Os sinais palacianos de aproximação e afastamento de Sérgio Moro são quase simultâneos, criando confusão e atordoamento entre os fãs do ministro, segundo as pesquisas ainda mais popular que o próprio presidente.
A Polícia Federal por pouco não teve seu diretor-geral, Marcelo Valeixo, demitido. Valeixo participou ativamente de diversas fases da Lava Jato no Paraná com Moro, liderou a operação de prisão do ex-presidente Lula e sob seu comando foi acertada a delação premiada de Antonio Palocci. Bolsonaro também exonerou Ricardo Saadi da Superintendência Regional da Polícia Federal do Rio de Janeiro. O segundo da hierarquia da Receita, João Paulo Fachada Martins, também foi trocado em agosto.
Os sinais palacianos de aproximação e afastamento de Sérgio Moro são quase simultâneos, criando confusão e atordoamento entre os fãs do ministro, segundo as pesquisas ainda mais popular que o próprio presidente.
Sérgio Moro é inexperiente no ambiente inóspito de Brasília e o abandono intempestivo de uma coletiva de imprensa na última quarta é um sinal claro de seu desconforto. Até as carpas do Lago Paranoá acreditam que Moro largou uma carreira de 22 anos como juiz federal por uma promessa de vaga na Suprema Corte e mesmo essa indicação mereceu declarações contrárias de Bolsonaro na semana passada. O presidente disse não ter qualquer acordo com Moro em relação ao STF e ainda sugeriu que seu advogado-geral da União, André Mendonça seria “terrivelmente supremável”.
A Lava Jato se inspirou na mais famosa e icônica operação do gênero, a Mãos Limpas, iniciada em 1992 e que terminou de forma melancólica, o que é admitido por todos os seus protagonistas. Antonio Di Pietro, juiz-símbolo da operação, trocou a magistratura pela política e o resultado foi decepcionante. Da terra arrasada do cenário político italiano emergiu Silvio Berlusconi, visto pelo eleitor como um outsider contra o sistema, mas ao perceber que a operação chegaria em companheiros próximos tirou seu apoio e a Mãos Limpas acabou esvaziada e sem cumprir seus principais objetivos.
A indicação de Augusto Aras, para procuradores ligados à Lava Jato um adversário da operação, foi o maior combustível dado até hoje para os que vêem no presidente um inimigo da força-tarefa iniciada em 2014. O clima na República de Curitiba desde semana passada é de revolta e luto, com declarações fortes dos procuradores publicadas na imprensa e nas redes sociais. A entrevista duríssima do procurador aposentado Carlos Fernando dos Santos Lima, um dos nomes mais conhecidos da Lava jato, para o Estadão no último sábado, resume o humor do ícones lavajatistas.
Na superfície, nada de concreto mudou para a operação e as trocas institucionais são vistas pelos apoiadores do governo como “normais”. O lavajatismo está em crise mas não tem uma alternativa política clara para desembarcar do governo. Como disse Michel Houellebecq, tudo pode acontecer, inclusive nada.